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Dezenove perguntas a Dorian

Ao lado de Newton Navarro, Dorian Gray Caldas foi um dos artistas que contribuíram para a modernização das artes plásticas no Rio Grande do Norte. Dentre tantas funções que exerceu, destacam-se as de assessor da Secretaria de Educação e Cultura do Rio Grande do Norte, conselheiro da Fundação José Augusto e diretor do Teatro Alberto Maranhão e da Escolinha de Arte Cândido Portinari. Dentre sua vasta bibliografia se sobressaem: “Artes Plásticas do Rio Grande do Norte - 1920/1989” e “ Do Outro Lado da Sombra”.

Estivemos eu e os escritores Alfredo Neves, João Andrade e Manoel Onofre Jr., em agosto de 2016, em visita a Dorian Gray Caldas, e na ocasião gravamos uma entrevista em vídeo com ele. Foram mais de duas horas de gravação. Alguns trechos dessa entrevista estão nesse recorte da gravação que destacamos a seguir:

Por Thiago Gonzaga

John Kleiton

Dorian Gray Caldas, onde você nasceu? Fale-nos um pouco de sua infância e juventude e das suas primeiras leituras literárias.

Eu nasci em Natal, precisamente na avenida Deodoro, lá no final, e minha mãe também me teve nessa casa.

E suas primeiras leituras literárias?

Antes mesmo da leitura, eu vou falar que eu tinha um sonho e sempre que eu ia dormir eu recorria a esse sonho, eu fazia uma introdução ao sonho e só dormia depois que pensava nessa história, depois eu apagava e no outro dia continuava; é uma coisa que até hoje eu faço isso, primeiro eu penso, depois escrevo qualquer coisa pra dormir.

A biblioteca de meu pai era uma biblioteca pequena, mas minha mãe compensava isso lendo pra ele que gostava de ouvir; minha mãe lia pra ele folhetos, aqueles folhetins, que naquela época se adquiria aqui em Natal; os folhetos naquela época, eram como se fosse uma previsão do que viria depois: a novela da televisão, a novela radiofônica. Então eu lia os folhetos que eram muito bem ilustrados e ficava sempre algo para um outro fascículo, para a pessoa comprar. Charles Dickens, Camilo Castelo Branco, Cícero Gomes, esses autores tinham muitos leitores e nessa biblioteca que tinha aqui em casa, eu li todos os livros muito cedo, porque eu comecei lendo gibi e depois passei a ler literatura.

Lá em casa a biblioteca não era boa, e eu abominei a leitura de José de Alencar, A Pata da Gazela, Senhora, essas coisas que eu achei horríveis. Então eu procurei outras coisas e tinha também Humberto de Campos, que era uma leitura complicada, pois ele era muito erudito e usava umas palavras estranhas e eu achava aquilo chato, eu não gostava. Depois, veio Eça de Queiroz, A Cidade e as Serras, essas coisas assim que também eram da coleção lá de casa, aí eu passei a fazer a leitura dos franceses, ingleses, russos, e muito cedo eu já passei para um outro patamar.

E o senhor se lembra como foi que conheceu a literatura potiguar? Algum livro que primeiramente leu aqui da terra?

Eu demorei pra chegar à literatura potiguar, porque eu me fascinava muito pela literatura estrangeira, mas logo tomei conhecimento da literatura potiguar, até porque eu fui durante muito tempo um dos principais ilustradores da prata da casa, taí o nosso Manoel Onofre Jr. que foi um dos primeiros escritores que me deu esse privilégio de ser ilustrador do livro dele.

Dorian, como foi que surgiu esse seu amor pelas artes plásticas? Foi na infância?

Foi na infância também, com 6 anos durante a guerra em 1940, eu já exercia um certo domínio do desenho e fazia com carvão, pois ninguém acreditava no artista que eu viria a ser depois; então eu usava o carvão de cozinha de mamãe, o fogão era a carvão, eu usava o carvão para riscar o chão, eu riscava na (rua) Felipe Camarão, e acho que ainda hoje tem: é brincadeira mas é verdade, eu riscava o chão e as pessoas ficavam indignadas com aquilo, porque eu riscava metros e metros de desenho, principalmente os figurantes das histórias em quadrinhos estavam todos lá riscados no chão. Era a giz e carvão, depois é que me deram um lápis crayon e comecei a fazer trabalhos em caderno escolar e em papel canson e a fazer retratos de figuras da história do Brasil; meus livros escolares tinham dom Pedro I, Tiradentes, o Padre Feijó, Duque de Caxias, Bolívar, então eu comecei a desenhar essas figuras, além de desenhar com certa facilidade, porque eu já tinha prática em transportar para o papel a fisionomia dessas figuras, desses heróis da história, e eu tinha facilidade de fazer a reprodução. Também fiz muita coisa com o desenho artístico de cinema, eu desenhava da “Cena Muda”, que era a revista da época. A “Cena Muda” tinha umas fotografias primorosas, pois eles faziam uma fotografia artística, eles colocavam luzes, era o glamour da época, eram fotos-maravilhas, retratavam aqueles artistas de cinema, a fotografia ficava linda e eu lembro de uma artista que eu fiz, que foi Linda Darnell, se não me engano, passei meses fazendo o penteado dela, um capricho, e acabou ficando bonito.

Dorian, você, muitos anos depois, um artista já consagrado e conhecido, fez um livro extremamente importante para nossas artes plásticas, aquele dicionário de artistas plásticos. Você pode relatar um pouco do seu trabalho?

Como eu comecei nos anos 50, eu fiz a exposição com Navarro, eu tinha uma compulsão muito grande pela arte, admirei muito a obra de Newton, que expôs lá na sorveteria Cruzeiro em 1948 pra 49, e houve uma discussão muito grande, pois ele tinha vindo do Recife com uma bagagem bastante cheia de trabalhos de arte, principalmente das igrejas do Recife, umas aquarelas, e delas tinham três que ficaram muito famosas aqui por conta dos títulos, “Sejamos Docemente Pornográficos”, a outra “Frutos do Amor Amadurecem ao Sol”. Eram coisas singelas, mas tomaram uma conotação um pouco diferenciada do que se fazia na época e essas aquarelas eram consideradas imorais, não tinham nada demais, mas Newton fez essa brincadeira e ficou muito famoso, tenho impressão de que uma dessas aquarelas está ainda com Paulo de Tarso, porque Newton se desfez dessas aquarelas. O trabalho dele era principalmente assim de bico de pena, ele passou a vida dele toda fazendo bico de pena, que era o trabalho mais precioso dele, mais revelador dos traços dele. Nós nos encontrávamos sempre no Grande Ponto, que era ponto de encontro de toda a geração do Rio Grande do Norte naquela época; nos encontrávamos no Grande Ponto e ficávamos conversando até altas horas da noite. Eu vinha a pé, nem carro tinha naquela época, vinha a pé de lá pra casa, porque eu moro aqui há muito tempo, faz uns 60 anos. Toda uma nova geração, Walflan de Queiroz, Leonardo Bezerra, Pedro Gurgel, a geração todinha se encontrava ali no Grande Ponto e eu já morava na (rua) João Pessoa, e era bom pra mim, que naquela época eu ficava bem à vontade. Então Newton me convidou, e eu comecei a pintar em função da modernidade. Eu fazia uma pintura clássica por conta do meu tio Moura Rabelo, que era pintor clássico aqui em Natal e já estava no Rio há muitos anos, e eu conhecia alguns trabalhos dele, acho que, na geração dele, foi um dos artistas plásticos mais perfeitos; ele tinha uma obra realmente muito parecida com a que os outros faziam, o retrato e paisagens, meu tio fazia mais retrato do que paisagem, e ele ficou conhecido como um retratista da cidade do Natal. E na família só se falava nele, e eu segui o estilo dele, porque eu já tinha vocação e facilidade de fazer retrato, tinha facilidade de registrar a paisagem nossa, então pra quê mudar? E quando veio a modernidade aqui em Natal, que chegou cedo, eu realmente não mudei a princípio, mas quando tomei conhecimento da obra de Newton já me veio aquela vontade de participar da modernidade. Eu recebia através de um amigo meu, Geraldo Carvalho, os cadernos de arte. Geraldo era funcionário dos Correios e Telégrafos, era um cara intelectual, um cara que tinha uma cultura muito grande, então ele recebia esses livros em inglês e francês, que ele mandava buscar fora, ele tinha facilidade de receber esses livros, pois ele conhecia os caminhos para recebê-los e não demorou muito pra eu tomar conhecimento do que estava acontecendo fora de Natal, daí eu já estava bastante familiarizado com a pintura que se fazia nos grande centros, principalmente na Escola de Paris, na Suécia e Suiça, e, transbordando, também na arte russa, mas o que me impressionava muito também eram as escolas, porque já existia o Impressionismo, quase toda a primeira geração francesa começou a exercitar o Impressionismo e eu tive receio quando Newton me convidou pra fazer a exposição em conjunto, de transferir a minha primeira exposição, aquele traço, aquele vício de uma coisa clássica, mas então eu fui para o extremo, fui para a abstração, que era uma novidade até na França, e Veríssimo de Melo fez um artigo saudando os novos artistas, dizendo que eu era o mais inclinado a fazer abstração, que até uma tela de Portinari parecia um clássico diante da minha ousadia em fazer a pintura abstrata. Mas a pintura abstrata era fácil pra mim porque era uma fuga e ao mesmo tempo eu dominava bem. Então, eu já tinha conhecimento de Kandinsky, tinha conhecimento de Mondrian, artistas assim que eram mais para a pintura abstrata e eu fui nesse barco, fui por aí, usando um pouco essa técnica e esse estilo dos abstratos.

Isso aí é um pouco da sua trajetória nas artes plásticas, e quando é que você resolve estrear em livro, na literatura, foi com a poesia?

Foi com a poesia. Eu ilustrava para muitos poetas, Walflan de Queiroz, Sanderson Negreiros, Berilo Wanderley, e vivia permanentemente em contato com a literatura que se fazia aqui, e lia também da literatura brasileira, Manuel Bandeira, Jorge de Lima, Murilo Mendes, Drummond, depois Vinícius e os artistas que vieram em 45, mas esses primeiros poetas. Eu li eles todos e admirava muito Jorge de Lima, por conta da “Invenção de Orfeu” que foi pra mim uma reinvenção da poesia. Eu achei que Jorge naquele momento se superou, inclusive teve também a ousadia de fazer uma invenção que era a poética dele, e deu um livro primoroso, mas eu também lia Manuel Bandeira, Graciliano. Bandeira com muito encantamento, porque Manuel Bandeira era quase um lírico, vindo de uma escola parnasiana, mas que deu à poesia moderna uma categoria exemplar. Depois eu me acostumei também a ler Carlos Drummond, mais cotidiano, mais circunstancial, todavia tem poemas antológicos.

Sua estreia no livro é com “Instrumentos do Sonho”.

“Instrumentos do Sonho” foi de 61, esse título não é nem meu, é de Luís Carlos Guimarães, que me emprestou. Luís Carlos Guimarães tinha feito parte da coleção Jorge Fernandes, entre outros artistas que estavam lá, Celso da Silveira, Deífilo Gurgel, todos faziam parte da coleção. Essa coleção foi realmente, em termos de coleção, importantíssima, porque reuniu todo o pensamento dos jovens; a modernidade tinha chegado e os jovens estavam escrevendo poesia, e eu me considerei um deles e participei desse livro, que está agora nas minhas poesias completas. “Instrumentos do Sonho” é um livro que está entre os meus livros do meu percurso de 61 pra cá, até os anos 2000, que eu digo em “Do Outro Lado da Sombra”, poesia quase completa. Depois mesmo de estar pronto esse livro, eu já escrevi um outro poema que é sobre a influência da poesia estrangeira, eu escrevi uma espécie de adaptação dessa poesia estrangeira, mas quando eu escrevi o “Instrumentos do Sonho”, a primeira parte é um poema lírico.

Fale um pouco da sua amizade, da sua relação com Câmara Cascudo.

Câmara Cascudo representa para nossa geração, um mestre. A maestria, a fidalguia com que ele recebia as pessoas e abria as portas da casa dele, sempre à tarde, porque pela manhã ele dormia, e recebia os intelectuais, a geração nossa, como se fosse a geração dele, e que não era. Então em 55 eu pintei a porta da casa dele, fiz um cangaceiro, queria guardar a porta da casa dele com uma figura de cangaceiro, coisa que se inventa. Bom, eu fiz o cangaceiro da porta de Cascudo, e fui recebido como um intelectual, como uma pessoa da família, de toda a geração que era a geração dele e dos mais velhos, os escritores todos que participaram da noite de autógrafos, e eu estava lá para pôr na parede da casa dele minha assinatura. Ele me recebia como pessoa da família, e recebeu grandes figuras brasileiras. Então, Cascudo era um símbolo para a gente; eu já conhecia Cascudo, mas não conhecia o Cascudo que eu vim a conhecer depois, depois dos anos 50, que aí eu me interessei pela obra dele, e fiz até um ensaio sobre ele, que está nos meus livros. Antes, eu conhecia o ”Dicionário do Folclore”; o livro sobre a alimentação no Brasil, essas coisas eu não conhecia, vim a conhecer e admirar mais ainda a obra dele; a obra dele realmente se tornou quase que um registro indispensável à aquisição de mais cultura, e eu digo que não só a minha geração como todas as pessoas que se aprofundaram na obra de Cascudo, recebiam o que eu recebi, e a minha geração principalmente. Cascudo abriu as portas para a modernidade e com os livros dele sobre folclore, o “Vaqueiros e Cantadores “, “Jangada”, “Prelúdio da Cachaça”, tantos mais. Isso deu a Cascudo uma dimensão muito grande.

Dorian, você tem seus trabalhos em diversos lugares do mundo. Algum artista potiguar chegou tão longe? Você parece para nossa história cultural ser um dos pioneiros.

Eu acho que, pela intensidade com que eu trabalhava a pintura, eu fiquei conhecido por muitos e muitos anos apenas como pintor e nem se falava em poesia, que eu escrevia poesia, mas eu já tinha alguns livros. Eu acho que escrevi uns 10 livros de poesia, mas só se falava na minha pintura, porque a pintura atravessou o continente, a pintura foi para os Estados Unidos, eu fiz exposição pelo BID, Banco Interamericano de Desenvolvimento, eu fiz uma maior exposição em Washington e fiz exposição durante muitos anos em Rivan na França, fui Grand Prix, na Bélgica, concorrendo com artistas estrangeiros. Achei isso um privilégio, porque eu fui através de um francês, e ele mandava trabalhos meus tanto para essa exposição, como mandava também para outros eventos, e para surpresa minha fui Grand Prix da Bélgica. Como eu tinha essas amizades fora, eu não ia pra essas entidades fora do país, fui raramente; fui expor mais pela conveniência das pessoas comprarem ou adquirirem esses trabalhos meus e mandarem pra essas instituições.

Recentemente você recebeu o título de Doutor Honoris Causa na UFRN, e como foi esse momento de muita alegria?

Pra mim foi uma surpresa muito grande, quem me conhece sabe que apesar da agressão do meu trabalho, eu sou muito agressivo no meu trabalho, isso tem relação com minha vida de artista plástico, mas como intelectual eu sou tímido. Então eu nunca pleiteei ir para a Academia, nem receber nenhum prêmio, mas por indicação de Sônia Othon recebi o título de Dr. Honoris Causa. Ela consultou os professores da Universidade e foram unânimes, eu tive uma votação unânime. Sou muito desarmado nessa coisa de ser pedestal, eu não quero ser pedestal de nenhuma estátua, mas ganhei essa titularidade pela UFRN. O prof. José Ivanildo do Rêgo, nosso reitor, magnífico reitor, presidiu a sessão de entrega do título, foi muito bonita a sessão, e eu estou devendo a ele a publicação do meu discurso e do discurso dele. Eu fiz um discurso assim mais louvando a iniciativa de ser artista do que realmente intelectual, falo menos na parte literária e falo mais da parte artística.

Dorian, a Academia Norte-rio-grandense de Letras estava nos seus planos? Você tinha o sonho de entrar para a Academia?

A Academia foi também uma chamada, eu era do Conselho de Cultura e tinha uma fase em que eu trabalhava muito na secretaria, eu fui um dos fundadores do Conselho de Cultura do Estado, com Câmara Cascudo. Jarbas Bezerra era o Secretário de Educação, então eu fui também agraciado, eu tinha impressão de que entrei para o Conselho de Cultura por uma dessas coisas que acontecem: me encomendaram a medalha do mérito Alberto Maranhão. Eu fiz a medalha e ficou linda, então acho que por um ato de generosidade, disseram que eu ia pertencer ao Conselho de Cultura. Eu tinha 30 e poucos anos, muito novo para ir para o Conselho de Cultura. E depois eu tive esse título medalha do Dr. Honoris Causa. Eu acho que as coisas acontecem comigo assim. Como eu fui para a Academia foi também assim, porque o Peregrino Júnior que ocupara a cadeira nº 9 na Academia, morreu lá no Rio de Janeiro, e eu recebi um telefonema do nosso reitor Onofre Lopes (Presidente da Academia), dizendo: Dorian não esqueça de vir pra cá, você se candidate. Me diz o que aconteceu, Onofre? Nosso amigo Peregrino Junior morreu, eu sei que você é muito amigo de Umberto, (Umberto Peregrino, irmão de Peregrino Jr.) e está na hora de você vir pra cá. Eu tenho a impressão de que ele disse isso pela falta que eu fiz no Conselho de Cultura. Ele sentiu falta de mim, aí ele quis explicar: Dorian está numa fase de muito trabalho ,ele falta a muitas sessões, ele achou uma descortesia não estar sempre atento às reuniões do Conselho de Cultura e ele pedia para me afastar, eu pedi para sair do Conselho, aí eu acho que ele ficou preocupado com isso e me deu essa chance de me candidatar à Academia Norte-rio-grandense de Letras.

Durante todos esses anos você participou de inúmeras exposições, individuais e coletivas, houve alguma que lhe marcou mais de alguma forma?

Teve, essas exposições que eu fiz fora, a da Bélgica foi o ponto culminante, mas existiram outras que também foram importantes. Eu fiz exposição em galeria de São Paulo, fiz exposição em Brasília a convite. Eu era do Conselho de Cultura do RN, Osvaldino Marques passou por Natal, viu meus trabalhos e esteve no Conselho fazendo umas palestras, e disse a mim que gostou muito dos meus trabalhos.

Ele estava no Conselho de Cultura do Distrito Federal, então ele me convidou por ofício e comunicou ao Conselho que eu ia fazer a exposição. Essa exposição foi muito interessante, porque ainda era vivo o Niemeyer, eu tenho a assinatura do primeiro dia da exposição, com o nome das celebridades de maior expressão. Além de ganhar de certa forma o prestígio de uma página inteira num jornal de São Paulo, e uma página inteira em Brasília falando sobre meu trabalho. Essas coisas eu guardo com muito carinho.

Você desenvolveu com bastante talento não só as artes plásticas, mas também a escultura, a tapeçaria, o jornalismo, o ensaio, a poesia. Você tem alguma preferência por uma dessas vertentes?

O que eu faço com maior facilidade é a pintura, a pintura foi uma das primeiras manifestações da minha sensibilidade, depois veio a leitura, o exercício da poesia, o exercício do ensaio, pois você sabe que tudo na vida não é fácil. Você dominar de certa maneira um certo estilo já é uma coisa fantástica, mas eu digo que foi pra mim com certa dificuldade que eu cheguei a exercer a poesia, porque eu tive que mudar a linguagem, tive que me adaptar ao exercício da palavra, que antes eu fazia poesia de sentimento e tal, poesia lírica, influenciada ainda pelo romantismo, pela poesia romântica, principalmente a poesia simbolista que me tocou muito, principalmente a poesia estrangeira. Depois é que eu fui tomar conhecimento de Olavo Bilac e outros poetas, que eu fui lendo e fui achando bom. Mas a poesia é como diz Bandeira, é um lamento, é uma coisa que vem lá de dentro da alma, você não pode também se expressar só com uma palavra, você tem que ir além da palavra, tem que ir ao exercício da inteligência, da sensibilidade; todo o esforço que você tiver, para a poesia é um esforço que vai lhe render alguma coisa.

Dorian, na atualidade, nós temos bons artistas plásticos? Você tem acompanhado ou não?

Tenho acompanhado muito de perto. Eu fiz o “Artes Plásticas” em 1990, terminei o “Artes Plásticas” e fiquei ainda a dever algumas coisas, mas eu fiz. Era um livro em preto e branco, graças a Daladier, que era reitor da UFRN, na época e ele me deu esse privilegio de fazer “Artes Plásticas” com o residual que eu tinha de catálogos, de observações; então eu apresentei 105 artistas, que naquela época eram para mim os melhores e mais bem sucedidos artistas do Estado e, no mesmo nível que você tem artistas no Brasil, você tem artistas no Rio Grande do Norte; até eu tinha uma certa preferência pelo meu Estado porque eu conhecia bem o que eu estava fazendo aqui no Estado, mas assim mesmo continuei atento e comecei a guardar novamente catálogos, cartazes, os que tinham mais exposições, os que eram com mais estilo, ai completei um livro de artes plásticas que está na Fundação José Augusto para ser editado, com 175 artistas, aumentei muito, tem umas 600 páginas, porque tem os verbetes, tem meia página de quadro, quase todos os quadros coloridos, e tem opiniões críticas de autores nacionais e internacionais, tem opiniões críticas até do Japão. O livro abre com Abraão Palatinik que é hoje considerado um do maiores artistas cinéticos do Brasil, e um dos remanescentes das artes cinéticas do mundo. Eu tenho muita admiração por ele.

Recentemente, você publicou pela editora da UFRN “A Hora Única” e “A Necessidade do Mito”. São ensaios?

São ensaios. Eu estive com a reitora e ela fez essa homenagem. Eu tinha conversado com Tarcísio Gurgel sobre as edições de que já tinha participado; tinha em catálogo “ O Traço, a Cor e o Mito”, livro publicado pela editora da Universidade em parceria com outras entidades, e a reitora foi maravilhosa, pois abriu um espaço, dando uma titularidade à coleção Dorian Gray, porque eu vi lá a Coleção Câmara Cascudo, então eu namorei um pouquinho essa coisa, mas não tive coragem de pedir, e ela me deu o título para a minha coleção. Começou com esses dois livros, “Necessidade do Mito” que é um livro bem já volumoso, e a “Hora Única” que é o número um. Tenho mais dois livros a publicar, além da “Hora Única” e a “Necessidade do Mito”, e tenho para publicar também uns cinco ou seis livros que eu acho que são importantes para que eu seja conhecido nessa área da literatura, que são as vertentes da literatura brasileira. O primeiro volume foi publicado já pela Fundação José Augusto, que é a gravura que se fez no Rio Grande do Norte. Continuei a trabalhar sobre esse aspecto da gravura de cordel em 3 volumes, e a gravura brasileira erudita que é o que fecha o ciclo na gravura da minha obra. Além desses livros sobre cordel, eu continuo o livro da “Hora Única” em mais dois volumes.

Dorian, que mensagem você deixaria para essa nova geração que está surgindo agora, tanto na literatura como nas artes plásticas?

Eu acho que a primeira coisa que você tem que ver, é o seguinte: se você tem compulsão por literatura, pela poesia,e é uma coisa que você não pode viver sem exercê-la, você deve assumir a vocação de artista que é dolorosa porque eu impliquei em muita coisa, em muitas decepções, muito empenho, muito trabalho, e a gente chega num ponto de querer até desistir. É difícil, é árdua essa tarefa de ser poeta, ser escritor, ser pintor. A resposta não é aquilo que você estava pensando; então você põe seus sonhos todos, como na infância eu punha aqueles sonhos todos pra descortinar alguma coisa e você vai se atropelando diante das coisas que vão aparecendo e você tem que vencê-las, porque você assumiu aquele compromisso com a arte, assumiu um compromisso com sua própria alma. Aquilo que transborda em você, é o que você vai gota a gota deixando para seus amigos, para sua geração, neste mundo, o que você fez e o que você deixou.

Agora, duas perguntinhas para finalizar: um balanço da sua trajetória. Dorian, parafraseando um poeta, eu pergunto: até aqui tudo valeu a pena?

Respondo com sim. Já está banalizada a frase de Fernando Pessoa: “Tudo vale a pena”, e inclusive encontrei em Luís da Câmara Cascudo, encontrei em Camões, algo quase igual a essa frase de Fernando Pessoa, já quase no décimo livro do canto de Camões. Fernando Pessoa era antenado com a cultura de Portugal.

Dorian Gray também é contista?

Eu tenho até vergonha de mostrar as coisas, eu tenho treze poemas inspirados num cordel, treze poemas não, trezes contos inspirados num cordel e acho que uma vez por outra publico alguma coisa, muito pouco.

E para finalizar, uma pergunta bastante difícil: quem é o artista Dorian Gray Caldas?

Eu sou eu, eu acho que sou o único, porque a gente por mais que se descubra, por mais que você seja participativo, por mais que você escreva, você nunca chega na sua alma interior ao fundo do poço; você quer beber água do poço, você quer se aprofundar nos sistemas que são mais desinentes, você tem que descobrir porque é que veio, porque está aqui, e porque vai embora; então eu estou sempre perguntando, daí eu escrever o livro “A Necessidade do Mito” para me redescobrir. Se eu falo, discuto o mito, a abrangência de Deus, é porque eu queria me descobrir; assim eu recorria ao mito, ele me dava alguma resposta, e é tudo.

*Entrevista publicada originalmente na Revista da Academia Norte-Rio-Grandense de Letras

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